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O QUE A VIDA ESPERA DE VOCÊ? Uma reflexão sobre a felicidade.

No começo desse ano recebi o convite da Camila Setúbal e da Renata Malheiro para participar de um ciclo de palestras sobre o tema “Felicidade” dentro do projeto Awake. Fiquei entusiasmada e ao mesmo tempo preocupada com o convite. Afinal, como falar de um tema que faz parte de uma busca universal do ser humano, algo essencialmente subjetivo e com o cuidado de não cair no senso comum? E ainda, como fechar um ciclo de palestras que foi iniciado pelo filósofo Luiz Felipe Pondé e seguido pelo jornalista Alexandre Teixeira? Enfim, sabia que esse desafio poderia me levar ao estado de fluxo (flow) e aceitei com grande alegria o convite.

Comecei a trabalhar na apresentação e pensei comigo: “O que falar sobre a felicidade?” Resolvi abordar o tema com um viés mais prático do que filosófico. E assim, dentre a imensidade de lentes possíveis sobre o assunto, optei por abordá-lo com base em três perspectivas: psicologia positiva, logoterapia e antroposofia.

Antes de entrar em cada uma dessas perspectivas, achei útil trazer um pouco do contexto atual. Na modernidade, a felicidade tornou-se uma neurose coletiva. Pode-se dizer que é um “pecado” ser infeliz. Assunto abordado por Pascal Bruckner em seu livro “Euforia Perpétua: ensaio sobre o dever da felicidade.” O lado perverso dessa ditatura é que a infelicidade surge como um sintoma de desajuste. Assim, a qualquer sinal de infelicidade, as pessoas buscam algum remédio para isso. Entretanto, a felicidade é um estado episódico. E sendo assim, como percebe-la sem experimentarmos a ausência dela? A vida não é um continuum de felicidade, mas sim uma oscilação entre felicidade e infelicidade, entre amor e indiferença, entre paz e confusão, entre egoísmo e altruísmo e outras polaridades. A vida surge na energia que emana da tensão entre os opostos. Uma abordagem dualista certamente é fruto dessa neurose coletiva que nos faz acreditar ser possível viver em um dos opostos, numa felicidade constante. Precisamos aprender a conviver com a imensidão de cores que existe entre as polaridades da felicidade e infelicidade. O pensamento trimembrado nos ajuda a reconhecer essa triplicidade. Como diz Allan Kaplan, sustentar o balanço (entre as polaridades), num contexto de liberdade, é a tarefa mais árdua de todas.

Ainda num retrato da modernidade, vale ressaltar a atual crise de sentido que acarreta um vazio existencial. Berger e Luckmann falam da crise de sentido como consequência de um individualismo e pluralismo no qual as pessoas buscam padrões para se orientar numa situação cheia de opções. E com a queda dos tradicionais direcionadores de sentido (instituições religiosas, família, Estados, etc..), surgem inúmeros “fornecedores” de sentido, que acabam confrontando o homem em sua dificuldade de escolher a oferta mais adequada. Um outro aspecto da crise de sentido, foi abordado por Viktor Frankl. Ele dizia que as pessoas têm o suficiente com o que viver, mas não tem nada por que viver; têm os meios, mas não tem sentido. Nos últimos anos, vivenciamos um crescimento material e tecnológico sem precedentes, todavia o vazio ainda persiste entre os indivíduos. Todas essas “coisas” preencheram nossas casas e nosso tempo, mas não preencheram nosso ser dessa vontade de sentido.

Com esse “pano de fundo”, trago um pouco da perspectiva da psicologia positiva. A psicologia positiva, apesar de receber algumas críticas, traz uma objetividade para o tema. Essa linha da psicologia tem uma base cientifica e enfoca nossas forças, e não nossas fraquezas. Assim, não basta acabarmos com o sofrimento para sermos felizes, e sim descobrirmos o que há de melhor dentro de nós. Martin Seligman, um dos grandes nomes da psicologia positiva, teoriza que apesar de 60% da felicidade ser determinada pela genética e pelo ambiente os 40% restantes cabem a nós. Seligman teve a ousadia de criar uma fórmula para a felicidade: H = S + C + V. Onde H (happiness) é o nosso nível constante de felicidade. O item S (set range) são os limites preestabelecidos, constituídos por fatores genéticos e rotina hedonista. A variável C (circunstances) são as circunstâncias da vida e abrangem o dinheiro, casamento, vida social, saúde, educação, religião, dentre outras circunstâncias. E por último, o V (voluntary) que são os fatores que obedecem ao nosso controle voluntário. E o nosso controle voluntário envolve um pouco a forma de olharmos o nosso passado, com satisfação/orgulho ou amargura/vergonha. Como também a nossa visão de futuro, composta por esperança e otimismo. E no presente, por meio de uma vida de emoções positivas composta por prazeres e gratificações.

Seligman caracterizou três tipos de “vida felizes”. A vida de prazeres na qual você enche sua vida com quantos prazeres puder e assim conquista uma felicidade com pouca duração. A vida do envolvimento em que você encontra a felicidade quando é bem sucedido com suas relações pessoais (no papel ser pai/mãe, na vida no trabalho, no amar e ser amado, etc..) e assim obtém uma felicidade mais profunda e duradoura. E por último na vida que tem sentido, aquela na qual você sabe quais são suas maiores forças e, também, sabe usá-las para servir e fazer parte de algo maior que você mesmo. A vida com sentido é a que proporciona grande satisfação e sensação de dever cumprido.

E falando de sentido, abordei outra linha da psicologia: a logoterapia, fundada por Viktor Frankl. Para a logoterapia, a busca de sentido é a principal força motivadora no ser humano. Uma das frases que sintetizam a visão de Frankl é a citada por Nietzsche: “Quem tem porque viver pode suportar quase qualquer como.” Para Frankl, a busca da felicidade é o que frustra sua obtenção. A felicidade é um efeito colateral do atingimento de uma meta, de um sentido. A felicidade não pode ser buscada; precisa ser decorrência de algo. Deve-se ter uma razão para “ser feliz”.

Apesar de vivermos sempre nos inquietando com a pergunta: o que eu quero da vida? Uma das formas de encontrarmos essa razão para “ser feliz” é respondendo a outra pergunta: o que a vida espera de você? Posso dizer, por experiência própria, que quando encontramos a resposta para essa pergunta, temos uma “causa”, um “porquê” para vivermos e isso nos preenche de sentido e por consequência de felicidade.

Na minha trajetória de vida, as duas vezes que segui a pergunta “o que eu quero da vida?”, não encontrei a plenitude. Na primeira vez, tinha cerca de 18 anos e a resposta foi desenvolver uma carreira para ser diretora de marketing e na construção desse caminho percebi que ele não era aderente aos meus valores e não fazia brilhar os meus olhos. Na segunda vez, com cerca de 24 anos, a resposta foi “dedicar minhas habilidade para algo meu, ter meu próprio negócio”. E isso também não foi suficiente. Todavia, com cerca de 28 anos, mudei a pergunta para “o que a vida espera de mim?” e descobri que era colocar meus talentos para as necessidades do mundo e contribuir para o desenvolvimento das pessoas. Não fazia sentido desenvolver competências para o mercado, mas sim usar meus talentos para o desenvolvimento das pessoas. Não queria “gastar a minha vida” em salas de espelho observando as pessoas manuseando embalagens para fazer um relatório de qual cor e tipologia sugerir. Não queria conversar com pessoas para saber porque elas compram um produto e não outro. Queria conversar com as pessoas para entender seus sonhos, suas metas e ajudá-las a construir um caminho em direção ao que elas realmente gostariam de ser. Esse caminho se mostrou bem mais próximo do que penso ser a felicidade.

E respondi a pergunta “O que a vida espera de mim? por meio de um caminho bem mais amplo do que o de uma carreira. Já que quando você muda a pergunta, você se sente chamado para algo maior do que você mesmo, e assim busca seguir sua vocação. E o caminho foi ampliado devido a outro aspecto citado por Frankl nesse processo da busca de sentido. Para o fundador da logoterapia, a busca do sentido está muito mais ligada ao COMO se faz do que ao O QUE se faz. Dessa forma, quando descobri que o que a vida esperava de mim era colocar meus talentos a favor das necessidades das pessoas, se tivesse focado no O QUE fazer, poderia buscar uma vaga dentro de alguma ONG, instituto ou organização do terceiro setor. Contudo, quando meu foco foi para o COMO, um universo de possibilidades surgiu, e assim, respondi a pergunta atuando como coach, consultora, professora, autora, oblata, facilitadora de meditação e idealizadora de alguns movimentos.

Em última análise, para Frankl, a pessoa não deveria perguntar qual o sentido da vida, mas antes deveria reconhecer que é ela que está sendo indagada. Em suma, cada pessoa é questionada pela vida; e ela somente pode responder à vida respondendo por sua própria vida; à vida ela somente pode responder sendo responsável. Não se deveria procurar um sentido abstrato da vida. Cada pessoa tem sua própria vocação ou missão especifica na vida; cada um precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir sua realização.

E por fim, dentro da antroposofia, ciência desenvolvida por Rudolf Steiner, abordei o conceito de fases da vida fundamentado por Bernard Lievegoed e Gudrun Burkhard. Com base na antroposofia, nossa biografia é caracterizada por leis comuns que norteiam nossa evolução. E apesar das leis comuns, cada biografia é única e singular. Como diz Frankl, cada biografia tem seu caráter irrepetível.

O tema da biografia humana exigiria vários posts para argumentação, assim trago aqui apenas pequenas inferências. O conceito de fases da vida, divide a linha biográfica em setênios (períodos de 7 anos) e cada setênio carrega suas crises e vivências. Assim, pode-se dizer que viver cada fase da vida com sua plenitude e intensidade e no seu tempo certo também poderia contribuir para uma vida feliz. Por exemplo, a felicidade no primeiro setênio (0 a 7 anos) está no brincar e na vivência de que o mundo é bom, e não numa intelectualização precoce. A felicidade no quinto setênio (28 a 35 anos) está em conquistar nosso lugar no mundo e no equilíbrio entre nossa biografia interna (ser) e externa (ter). A felicidade no sexto setênio (35 a 42 anos) envolve passar pela crise da autenticidade e seguir uma nova fase de experimentação da vida com uma identidade muito mais autêntica e pautada em nossos valores. A felicidade aqui envolve a coragem de questionar o casamento, as expectativas dos outros, os papéis que desempenhamos e seguir nossa essência. E por ai vai…

E quando me preparava para a palestra, pensei: e se me perguntarem o que é felicidade? Qual seria minha definição? Entendo a felicidade como o equilíbrio entre a ação e a contemplação. Em que a contemplação nos permite ouvir, a cada situação, a pergunta que a vida nos faz e a ação nos impulsiona a construir uma resposta por meio de uma ação repleta de sentido. E assim, a felicidade é algo essencialmente individual e envolve encontrarmos nosso lugar único no mundo. Uma vida só de ação nos faz excelentes realizadores, mas corremos o risco de viver no piloto automático e não encontrarmos o “porque”. Uma vida só de contemplação nos faz ótimos meditadores, mas corremos o risco de encontrarmos nosso “porque” e não sabermos como construir nossa resposta para o mundo.

Enfim, resumindo esse post (que ficou grande demais), com base no que aprendi e no pouco que vivi, se pudesse falar algo sobre a felicidade eu diria:

# Não faça da felicidade uma meta pois isso irá lhe frustrar.

# A felicidade está no equilibrio entre a ação e contemplação.

# Descubra seus talentos e suas forças e coloque eles a serviço de algo no mundo (algo além de você mesmo).

# Ouse buscar a resposta para a pergunta: O que a vida espera de você?”

# Encontre o seu “porquê”.

# Viva cada fase da sua vida em sua plenitude, sem tentar adiantar ou adiar algo. E lembre-se que o conhecimento das leis biográficas não impedem nossas crises, apenas permite vivê-las de forma mais consciente.

#A felicidade exige um agir prático e um protagonismo.

Para fechar trago uma citação atribuida a Gandhi que diz: “Felicidade é quando o que você pensa, o que você diz e o que você faz estão em harmonia.” Acredito que a felicidade realmente está na construção de um projeto de vida autêntico e coerente com a sua essência.

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